sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Crónicas de uma viagem a Vila Real

A camioneta chega, é o 50. Mala arrumada, um beijo de despedida e entro na viatura. Procuro o lugar 32; em cheio, é mesmo o lugar que pretendia, logo atrás da porta traseira, aquele que tem mais espaço para a tralha. Ninguém ao lado, melhor ainda.
Um adeus carinhoso e aqui vou eu.

Procuro um dos livros que me acompanham. Banda desenhada, bom livro mas não chegou ao Km 100.

Baixam os LCD's. Óptimo temos filme.
Charlot!? Ok, é porreiro mas será o mais adequado?
Alguém discorda; portátil ligado, outro filme para ver. American Pie Presents Beta House. Opção interessante, pelo menos até chegarmos a uma cena mais quente. Foi impressão minha ou o cabelo grisalho da Sra. sentada no par de bancos ao dos jovens que apreciavam a cena ficou arrepiado?

Voltando ao Charlot , até teria sido boa opção não tivesse isso tido um efeito soporífero em mim.

A "siesta" foi retemperadora mas curta; não deu para babar o casaco mas foi suficiente para causar dor no pescoço.

Charlot continua... e eu de volta aos livros, agora de texto corrido e contemporâneo, "Entre Les murs"...
Telefonema do casal do banco de trás:
Sra. - INTÓN FILHA! TA TUDO BEM-NHE?
- ...
Sra. - UOH QUERIDA, TÁMUS QUASE A CHEGAR!
- ...
Sra. - SIM-NHE! TÁMUS QUASE A CHEGAR!

Ah que belo sotaque nortenho, que bem que soa ao tímpano, só é pena o volume estar avariado e infelizmente quase no máximo. Todo o autocarro está a par do telefonema.

Charlot prossegue mudo e agitado...
Mais umas páginas volvidas e o autocarro entra numa estação de serviço. Ah, a bexiga agradece e o estômago rejubila, mas... o autocarro arranca de novo!
Saiu um engravatado, entrou outro e o resto que se aguente.

Que tal uma mensagem para uma moça querida a quem devo um obrigado pela boleia? Até aproveito para contar...
Sra. - TOU, TOU SIM-NHE
- ...
Sra. - INTÓM COMO BAI ISSO?
- ...
Sra. - TÁMUS QUASE A CHEGAR.
- ...
Sra. - FALA AQUI CO MEU HÓME?
- ...
Sr. - TOU, TUDO BEM-NHE?
- ...
Sr. - HÃ!!! O QUÊÊ?
- ...
Sr. - jÁ TÁS NO PUORTO?
Sra. - ÓH HÓME, CLARO QUE JÁ LÁ TÁ!...

Delicioso sotaque, volume ainda avariado!

Mensagem concluída, enviada. Aguarda-se resposta.

De volta ao livro; Charlot oficialmente em loop!
Auto-estrada em obras, Porto à "vista"...
Sra. - TOU, TOU SIM.
- ...
Sra. - FOI?
- ...
Sra. - QUEM-NHE FOI QUE TE ARRANJOU? FOI O FÁBIO?
- ...
Sra. - HÃ!? FOI O FÁBIO?

Recolhem-se os LCD's, estamos a chegar à invicta; inquieta-se a maralha nos assentos.

Não sei por onde andamos na cidade mas os prédios são antigos e a traça interessante.

Garagem atlântico. É aqui que vamos parar? Bolas, ainda bem que o autocarro está em forma, foi preciso cá uma ginástica para ele caber.
A maralha arruma as trouxas.

Portas abertas, um fio de gente a sair. Bem se calhar também fazia alguma coisa pela bexiga e estômago que trago comigo.
Mensagem não respondida.

Dirijo-me ao condutor para saber o tempo de paragem. Ocupado!
Conversa com casal de asiáticos - pelos jeitos japoneses! - de road-book na mão:
Asiat. - Sau Bento?
Cond. - NÃO! BATALHA! - outro com o volume no máximo
Asiat. - Aaaaa... - olhando para o livrinho
Cond. - BA-TA-LHA! - ainda mais alto!

Bolas entre não perceber o idioma e ser surdo há claras diferenças! Indicador no mapa, problema resolvido. Agora eu
- Qual é o tempo de paragem?
- O autocarro sai ao 1/4 pás 6.
- Ah! (não foi isto que perguntei!?!?). Que horas são?
- 17h35
- Obrigado.

Olho em frente, um café. Sra. afável, sotaque bonito:
- Que deseja?
- Uma sandes de tortilha, uma merenda folheada e uma cola
- 3,30€
- Ta certo, obrigado

A merenda nem aqueceu lugar, o estômago agradece.

Casa-de-banho: alívio para a bexiga, náusea para o estômago.

De volta ao autocarro, pertences todos no lugar; receios infundados, é tudo gente séria.
Mensagem não respondida.

Ataco o resto do repasto a fim de acalmar o estômago e observo os novos passageiros.
Casal de velhotes baralhados com os n.ºs dos lugares. Decisão: sentar-se num lugar qualquer e esperar que ninguém reclame.
Mamã e bebé no banco de trás:
Mãe - Não estamos no séc. XXI
Bebé - ahaaa (palrar!)
Mãe - Isto é uma vergonha! Vamos trocar a fralda aqui não é bebé?
Bebé - (gargalhar)...

Hum... não cheira mal, foi líquido. Sorriso bonito, olhos esbugalhados, fralda mudado, cachopo feliz.

Nova ginástica para sair da garagem e aqui vamos nós rumo a Vila Real. Repasto quase terminado.

O velhote do casal dos bancos trocados vigia o condutor. A cada curva inclina-se para ver a estrada e confirmar a qualidade da condução. Temos um vigilante de condutor.
Mensagem não respondida.

No par de bancos ao lado do velhote o portátil volta a ligar-se. Desta feita não há filme, há internet-kanguru, o hi5 e as miúdas.
O vigilante não descuida a sua função, mas deita um olho para o ecrã do PC. O bebé de rabo fresco faz-se ouvir.

18h34 - Afinal há WC no autocarro!!! E está funcional. Só ao fim de 4h34 minutos de viagem percebi que o sofrimento da bexiga foi sem sentido.

O vigilante não relaxa, o bebé chora e o João Pestana chama por mim...

19h14 - Acordo com as luzes da cidade de Vila Real. Toca a arrumar os tarecos.

Chegámos. Deslizo para fora do autocarro, estico as pernas e sinto o frio da noite no rosto. Apanho as malas e dirijo-me para a pousada.


Uma palavra de apreço e agradecimento aos habitantes de Vila Real que tão bem me receberam. Gente simpática, acolhedora e prestável. Espero voltar em breve.

2 comentários:

AddCritics disse...

Bela Odisseia!

O que mais podemos querer do que pessoas interessantes à nossa volta?

Gonçalo disse...

O essencial é manter o espírito alerta e perceber o que se passa à nossa volta.

Foi muito engraçada a viagem.